CIGANO
Rosemary Amabile
Olhar teus negros, lindos olhos,
penetrar no desvão do tempo...
Deixar um longínquo chamado,
tanto tempo ausente,
tanto tempo ausente,
transportar-me a um amor antigo.
Por que os amores se desfazem?
Por que a vida ou a morte nos separam?
Por que a benção do Eterno
não permite ao amor continuar?
não permite ao amor continuar?
Que fala é essa? Vibra em meus ouvidos.
A voz eu ouço, mas essas palavras
são sons sem entendimento.
são sons sem entendimento.
A mesma voz, tão agradável
o som dessa voz!
o som dessa voz!
Vibra no meu ventre essa voz!
Os olhos não,
os olhos riem para mim, riem de mim,
me acarinham e me ferem.
Me transtornam, me seduzem.
Alucinada sinto em mim risos
e prantos antigos
e prantos antigos
a transpassar-me ainda.
Graça e desgraça em meu peito
Não passaram... não se foram.
Clamam desejo e medo
em dores de parto.
em dores de parto.
Nasce ou renasce esse amor
No teu olhar cigano.
DISTÂNCIA
Rosemary Amabile
Idólatra eu escavando tórridas areias
buscando tua serpentina imagem
em perdido pretérito
soterrado no sem-tempo.
soterrado no sem-tempo.
Arqueólogo obcecado por único tesouro
Não que aguerrido eu não fosse,
cobrindo geografias
com meus pés e fôlego,
com meus pés e fôlego,
para buscar onde te encontras,
e tocar-te como quem
desbrava a terra em posse
desbrava a terra em posse
Não que destemido eu não fosse
para singrar a nau, a oceânica separação
entre teu respirar e o meu
e arfar em teu corpo,
a resgatar-me náufrago da solidão
a resgatar-me náufrago da solidão
Não que impávido eu não fosse
e espaçonauta, por meus pés
em lumes celestes
em lumes celestes
a desvendar a qual estrela
teu brilho emprestas
teu brilho emprestas
Qual é esse fado que me orienta
em desérticas noites?
em desérticas noites?
Só te falo em letras,
a cada dia beijo-te em Ah!
a cada dia beijo-te em Ah!
Deito-me com teu corpo em Oh!
Possuo-te em Ais!
A cada dia sou tua em letras.
E não!
Pois não há letra
que me enxugue os olhos
que me enxugue os olhos
Nem que os preencha com a tua visão
E fiel a tantas exclamações
inseguras, equilibrando-se
num ínfimo círculo.
num ínfimo círculo.
Retorço-me em arco e me transformo
numa interrogação. Ainda insegura!
Mas curvada em prece
Oh Eterno! Pai me ouve?
E entre um ponto ou outro
continuo em infinita espera
continuo em infinita espera
No sábio, algoz e mestre,
tempo das reticências...
tempo das reticências...
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